sexta-feira, 15 de julho de 2016

Sobre o Masculino-Psique e desafios- Pedro Paulo Del Valle Curvelo


























RESUMO

Este artigo é requisito para o curso de psicologia de orientação junguiana. Decorre da constatação de uma crise do masculino, como poderíamos nominar o momento por que passa o homem brasileiro/ocidental, na transição do fim do patriarcado, ascensão do movimento feminista , liberação e igualdade da mulher, em nossa  sociedade, que levou a sua perda de status, seja como pater família, guerreiro e/ou provedor . O homem encontra-se  em sofrimento e solidão, com os quais não sabe lidar, nem se permite contatar, necessitando redefinir seu papel na sociedade atual e redescobrir sua alma, para que possa redefinir sua condição  de homem amoroso, pleno, pacificado com o feminino externo e interno (anima) e, enfim, tornar-se uno, individuado.


DISCUSSÃO

            Em nossos consultórios, na mídia ou nas rodas sociais, o desencontro, solidão e sofrimento dos homens torna-se cada vez mais presente. Casos como o de uma colega psiquiatra, confusa com a história do cliente, que se sente abusado sexualmente, porque a esposa cobra dele relações sexuais e ele acede, por medo dela deixa-lo, levando os filhos, que ele ama; os inúmeros relacionamentos onde o marido é filho da mulher ou pai dela, mas quase nunca é o homem dela; os relatos de alienação parental, o contraponto da violência masculina contra as mulheres, como se estivesse em curso uma vingança ou uma guerra para evitar a perda de uma posse. O numero cada vez maior de famílias chefiadas por mulheres, com ausência quase total da figura paterna/masculina.
            É..., o patriarcado desmorona, deixando ir de roldão, todos os valores masculinos antigos. Lá se vão o caçador, o provedor, o conquistador e o guerreiro. Hoje, no ocidente e aqui, as mulheres não precisam e não mais querem isso, ao contrário, muitas mulheres animosas, ainda estão em plena guerra feminista. A maioria, penso eu, deseja agora um novo homem, cúmplice e parceiro, um igual, seu complemento. Bonito, mas o homem atual não está sabendo o que é isso, como chegar nisso, qual é o seu papel nessa história. Devemos confessar, para iniciar um questionamento/reflexão: os homens estão com muito medo das mudanças! E isso é trágico.
            O patriarcado, instalado há milhares de anos, na idade  do bronze, com a formação de estados/cidades, exércitos de conquista , predomínio do masculino e concentração do poder nos reis, percorreu impoluto imenso período da história da humanidade, após ter sobrepujado o matriarcado agrícola. Seu desmoronamento é muito recente/contemporâneo e ocorre desigualmente nas várias culturas, num torvelinho de mudanças nas várias áreas do conhecimento e da execução da vida humana. Estamos no olho do furacão, não está dando para entender e precisamos montar esse quebra-cabeças.
            O homem, esse macaco imitador, até hoje aprende por imitação. Interagia com a natureza, com os animais e seus espíritos, observando-os e imitando-os para adquirir  suas qualidades e poderes. Vejam os machos das aves, frequentemente mais coloridos que as fêmeas e com suas danças de acasalamento irresistíveis; provavelmente inspiradoras dos cocares e danças indígenas; ou  mamíferos grupais, em que o melhor macho (o mais forte/agressivo, mais capaz de garantir a sobrevivência das fêmeas e seus filhotes) tem status; por exemplo: as leoas cuidam dos filhotes e caçam (dupla jornada), mas é o leão o primeiro a comer e come a melhor parte.
            Nós homens, machos, portadores de testículos e suprarrenais, que produzem hormônios masculinos, apanágio, que ainda não nos foi tirado, mas que nos torna mais agressivos desde meninos, preferindo luta e competição, decodificando mensagens atávicas, determinadas por nossos cromossomas Y( a síndrome genética YY se caracteriza por grande agressividade); mas nem só de testículos se fez o homem, nosso neocórtex, um jovem de cem mil anos, sobrepuja nossos cérebros reptiliano e mamífero, de um milhão de anos evolutivos, e instala o domínio do cognitivo, do racional, do científico. É o tirano da atualidade e ordena e reordena nossos comportamentos, nos obrigando a deixar o animal e ascender ao humano, quiçá a caminho do Divino.
            É provável seja esse o caminho da nossa evolução. Ficam para trás o matriarcado e o patriarcado, que já não nos servem atualmente. Nosso mundo experimenta uma revolução nunca vivida na história da humanidade, seja pela velocidade das mudanças, seja pela integração global  nas comunicações e interdependência das culturas. Concomitantemente sabemos de culturas que oprimem a mulher, impedindo mesmo que estudem ou tenham direito ao prazer e ao seu corpo(mutilações sexuais/clitorectomia), enquanto em outras as mulheres ascendem a cargos de mando, chefiam famílias em que os homens, muitas vezes pior remunerados, assumem funções de cuidar dos filhos e partilhar atividades antes do feminino. As guerras modernas cada vez mais economizam guerreiros, pois é mais econômico e destruidor fazer os drones dizimarem civis no Afeganistão, enquanto os homens dão vazão a sua agressividade guerreira nas torcidas de seus clubes ou nas brigas de gangues nas cidades. O mundo com seus sete bilhões de gentios nos mostra civilizações, ricas e educadas, envelhecidas, com baixíssimas taxas de natalidade, prevendo um futuro sombrio, em contraste com as civilizações pobres, superpovoadas e miseráveis. A velha Europa demonstrando que a economia é mais importante que sua população, ceifando o futuro de toda uma juventude sem trabalho em detrimento dos mercados.
No meio desta tempestade, em que se encontra a humanidade, não conseguimos antever  a bonança. Nosso porto futuro parece pedir que ancoremos no equilíbrio das forças do masculino e do feminino, da velha sabedoria Zen, da totalidade do Yin/Yang; da visão do divino das religiões orientais, em que os deuses apresentam-se nas suas expressões masculinas e femininas( por exemplo: Krishna e Rada) ou mesmo na visão cada vez mais atual de Jung, da individuação, em que integramos  nossas anima/animus, para sermos uno.
            Quais serão os arquétipos ou os deuses que emergirão do inconsciente coletivo para reger este momento humano? Parece não termos essa resposta no momento. Voltamo-nos ao conhecido para arriscarmos o desconhecido, como faziam os navegadores de antanho.
“Todos os seres humanos, independentemente de raça ou origem cultural, possuem os mesmos arquétipos, estruturas básicas da mente humana, os conteúdos do inconsciente coletivo.” (BOECHAT, 2009, p 56)
            O mesmo Boechat, em seu livro A Mitopoese da Psique, nos apresenta às seguintes facetas dos arquétipos do masculino:
Arquétipo do Pai, sempre associado à cultura e à tradição. Tem a característica de ser penetrante, criativo, transformativo. Fundamental  na estruturação do ego. Instaura-se em nível corporal, já no primeiro ano de vida, com o domínio da musculatura esfincteriana, com o controle da evacuação e da micção, manifestando o princípio da lei, do permitido e do proibido, bem como com a postura bípede. O pai é que molda a consciência coletiva.
Arquétipo do Menino/Puer Aeternus, sem poder fálico de penetração e conquista, personifica o masculino em estado nascente, emergente no psiquismo exerce sedução pela sua própria fragilidade.
Arquétipo do D. Juan, com seu falicismo obcecado, conquistador compulsivo, escondendo seu homossexualismo mal resolvido, tipifica a imaturidade masculina.
Arquétipo do Tricster,  o embusteiro, sem limite ou qualquer lei que não o seu desejo. Arquétipo da inversão, traz à tona tudo que é recalcado e reprimido culturalmente, permite a expressão da sensualidade e da agressividade de forma lúdica, numa manifestação catártica da sombra pessoal e coletiva.
Arquétipo do Herói, associado aos ritos de passagem, desde o nascimento físico do indivíduo, passando pela separação do seio e as diversas outras transições até a morte. O uróboro do herói inclui nascimento mágico, separação, iniciação por espírito tutelar, feitos mágicos, hybris (pecado do orgulho) seguido de punição, morte e apoteose.
Arquétipo do Velho Sábio/Senex, personifica a reflexão, constante nos mitos, contos de fada e sonhos; personifica o masculino no seu mais alto grau de diferenciação,  o espírito que sopra onde quer e produz as mais sutis e eficazes transformações psíquicas. (BOECHAT, 2009, p 52 a 71)
O homem contemporâneo carrega segredos inconfessáveis:
A vida dos homens é tão governada por expectativas restritivas com relação ao papel que devem desempenhar quanto a vida das mulheres.
A vida dos homens é basicamente governada pelo medo.
O poder do feminino é imenso na organização psíquica dos homens.
Os homens conluiam-se numa conspiração de silencio cujo objetivo é reprimir sua verdade emocional.
Abandonar a Mãe e transcender o complexo materno.
A vida dos homens é violenta porque suas almas foram violadas.
Todo homem carrega consigo profundo anseio pelo seu pai e pelos Pais tribais.
Para que os homens fiquem curados, precisam ativar dentro de si o que não receberam do exterior.
                                                               (HOLLIS, 1997, p 15)
                                                                                         

Os meninos aprendiam o masculino no convívio com seus pais e com os homens mais velhos, nas atividades do trabalho, jogos, caça, aprendendo sobre os mitos, canções e esportes. Isto persistiu até a revolução industrial.
                       “A maneira tradicional de criar filhos, que durou milhares de anos, equivalia a uma convivência  estreita entre pais e filhos – uma proximidade que podia ser assassina – enquanto o pai ensinava ao filho um ofício: talvez a agricultura ou carpintaria, ou o trabalho de ferreiro ou alfaiate. Como eu disse em outro lugar, a unidade amorosa mais prejudicada pela Revolução Industrial foi a ligação pai-filho.  Não há sentido em idealizarmos a cultura pré-industrial, e não obstante sabemos que hoje muitos pais trabalham a 50 ou 70 quilometros de distancia da casa, e quando voltam à noite os filhos estão quase sempre dormindo, e eles próprios estão muito cansados para exercer a função paterna.” ( BLY, 1991, p 18)
            “Na década de 1960 alguns jovens tiravam sua força de mulheres que, por sua vez, a tinham recebido, em parte do movimento feminino. Poderíamos dizer que muitos jovens na década de 1960 tentaram aceitar a iniciação pelas mulheres. Mas só homens podem iniciar homens, como só mulheres podem iniciar mulheres. As mulheres podem transformar  um embrião num menino, mas só os homens podem fazer dele um homem. Os iniciadores dizem que os meninos precisam de um segundo nascimento, desta vez um nascimento a partir do homem.” ( IDEM, p 15)
            “O que fazer, então? Milhares e milhares de mulheres, sendo mães solteiras, estão criando meninos sem nenhum homem adulto na casa. ... Uma delas declarou ter compreendido, quando o filho chegou à idade da escola secundária, que o rapaz precisava de mais dureza do que ela podia lhe dar naturalmente, mas se ela se tornasse mais dura, para atender a tal  necessidade, perderia contato com sua própria feminilidade. Mencionei a solução clássica de muitas culturas tradicionais, que é mandar o menino para o pai quando chegar aos 12 anos . Várias mulheres disseram claramente: “ Não, os homens não são educadores; eles não tomariam conta do menino.” Muitos homens, porém encontram em si a capacidade de educar, de formar, que só apareceu quando foi necessário.” (IDEM, p 16)
            Bly também nos ensina que as sociedades antigas acreditavam que o menino só se torna homem através do ritual e do esforço, através da intervenção ativa dos homens mais velhos.
            Mircea Eliade observa que uma das características do mundo moderno é o desaparecimento de ritos significativos de iniciação. (HOLLIS, 1997,p 22)
            “O rito é um movimento em e para a profundidade. Os ritos não são inventados; são  encontrados, descobertos, vivenciados e surgem a partir do encontro arquetípico com o profundo....Sem ritos significativos, carregamos a mais dolorosa das feridas da alma – a vida sem profundidade.”
                                                                                  (HOLLIS, 1997, p 23)
       Os ritos de passagem resumem-se em seis estágios, a seguir:
Separação: a separação física dos pais a fim de dar início à separação psicológica. Nunca era questão de escolha para o menino, amiúde, no meio da noite, eram raptados pelos homens mais velhos, da casa materna. A rudeza, a violência até, da separação tinha finalidade de lembrar que nenhum jovem renunciaria de bom grado ao conforto do lar. Seu aconchego, proteção e carinho geram enorme atração gravitacional. Permanecer no lar, significa continuar criança e renegar o próprio potencial como adulto.
A Morte: simbolizando a morte simbólica da dependência infantil, vivenciando a perda do lar, através de experiências de ser enterrado, conduzido através de túneis escuros/cavernas e lançados em escuridão literal ou simbólica. É a perda da inocência, da ligação edênica da infância.
Renascimento: algumas vezes com mudança de nome, reforçando o surgimento de um novo ser. O batismo cristão, a crisma católica, o bar e o bat mitzvahs dos judeus são remanescentes desses ritos.
Ensinamentos: transmitindo o conhecimento necessário para que o jovem atuasse como adulto. Aprendiam a caçar, pescar, pastoreio e as artes da defesa, pois o homem que nascia devia ajudar a sustentar e proteger sua sociedade. Ocorria a introdução nos mistérios, para que adquirisse o senso de uma base espiritual e participasse da esfera transcendental.
A Provação: práticas que exigiam do jovem o sofrimento na separação  do conforto e da proteção do lar, não por crueldade, mas pela sábia percepção de que este sofrimento estimulava a consciência, que só surge com o sofrimento. Sem alguma forma de sofrimento, seja físico, emocional ou espiritual, contentamo-nos em descansar folgazes na antiga ordem, no antigo conforto, nas antigas dependências. Outra razão é ajudar o jovem a se acostumar aos verdadeiros rigores da vida, que ele em breve experimentará.  Envolve geralmente  alguma forma de isolamento, um retiro em lugar sagrado, longe da comunidade.  O confronto com o próprio medo é decisivo. O isolamento ritual é introdução a uma verdade fundamental: não importa quão tribal seja a vida social, estamos sozinhos na jornada e precisamos extrair força e consolo do nosso interior, caso contrário não alcançaremos a idade adulta.
Retorno: último estágio, o jovem já é adulto, capaz de estar separado do mundo natural, da vida dos instintos e ingressar no mundo cultural e artificial fabricado pelo homem/ do masculino; inclusive o mundo econômico, com o dinheiro, contracheques e mercado de capitais; conceitos artificiais sobre os quais grande parte da sua alma se projeta. (HOLLIS,1997, p 24 a 27).
            Basta olharmos para nossas histórias de vida, para constatarmos, que esses ritos não fazem parte da vida da maioria dos homens,  alguns chegaram ao meio do caminho, a  maioria perdeu-se. Algumas atividades parecem estar assumindo papéis de ritos de passagem: viagens à Disney, formaturas, vestibular e carteira de habilitação de motorista parecem ser marcos significativos, com a característica de ser comum aos dois sexos.  O homem segue sem rumo.
            “Todos os homens sofrem de neuroses. A palavra em si  sugere falha mecânica e, com efeito, deriva do esforço do Iluminismo de criar modelos do cosmos e modelos de homens. Porém, na verdade, a neurose simplesmente significa a profunda divisão entre a socialização e a alma, entre a cultura coletiva e a psique individual. Quando os papéis externos não se encaixam na forma da alma da pessoa, ocorre terrível unilateralidade. É o sofrimento deste desequilíbrio que leva os homens a lutar contra si e uns contra os outros.”
                                                           ( HOLLIS, 1997, p 151)
            “Nossa sociedade vem há muito tempo tratando os homens como máquinas, como corpos sacrificáveis em nome do progresso e do lucro. Os homens anularam sua dor e o prazer da sua alma, aprenderam a pensar em si como mecanismos.  Essa alienação magoa profundamente...”
                                                                                  ( IDEM)
            “Quando o trabalho burocrático e a revolução da informática começam a dominar, o laço entre pai e filho desintegra-se. Se o pai só está em casa uma ou duas horas à noite, então só os valores femininos, embora maravilhosos, existirão para o menino. Poderíamos dizer que o pai perde hoje o filho cinco minutos depois que ele nasce.”
                                                          (BLY,1991,p 19)
            “O pai, nos anúncios contemporâneos da TV, nunca sabe o que tomar para resfriado. E nas comédias os homens são falsos, desastrados ou facilmente enganados. São as mulheres que os enganam, que lhes ensinam uma lição, ou dominam sozinhas toda a cidade. Isso não é exatamente “o que o povo quer”. Muitos jovens roteiristas de Hollywood, em lugar de enfrentar seus pais em Kansas, vingam-se do pai distante fazendo com que todos os homens adultos pareçam tolos.” (IDEM, p 21)
            “Esses eram nossos pais, mais feridos do que imaginaríamos, sem alternativas ou permissão emocional para serem eles próprios, e indescritivelmente sozinhos. Por esses homens precisamos, sem nenhuma vergonha, chorar.”
                                    ( HOLLIS, 1991, p156)


            Essa dor terrível do abandono e a raiva, quando negada, podem levar à depressão, a confundir amor com sexo físico ou `a doenças físicas como hipertensão arterial ou as úlceras. O medo do feminino, do homem que não conseguiu se livrar da imagem da mãe toda poderosa para o menino, que pode amá-lo, nutri-lo, aquecê-lo ou destruí-lo, caso isso falte; carrega esta imagem e a transfere a todas as mulheres, poderosas, que como Shiva detém o poder da maternidade, de criar e de destruir, tornando improvável a confiança necessária para a entrega amorosa, uma morte simbólica, indispensável para tornarmo-nos uno, integrando o masculino e o feminino. O homem só se realiza emocional e espiritualmente através da mulher, fora isso é metade. O útero parece ser o Graal, cálice alquímico onde se realiza o mistério. Sem isso o homem é condenado à solidão e ao vazio.
            “Os homens em todos os lugares estão fadados a enfrentar seus parceiros, instituições ou algum análogo emocional, conduzindo a dinâmica da infância como experiência contemporânea. O passado não é verdadeiramente passado. A mãe e o pai vivem interiormente, cada momento - não  apenas os pais pessoais, mas as experiências coletivas deles. Assim, sentindo toda a antiga necessidade, o antigo medo, o antigo anseio, a antiga raiva, se bem que inconscientemente, os homens projetam essa dinâmica sobre o atual Outro. Este Outro, então, possui o poder que o pai ou a mãe primordial teve certa vez, que os homens tentarão ou controlar ou acalmar, ou até evitar totalmente....Sentem-se impotentes, mas estão zangados e encontrarão uma forma de sabotar ou subverter o Outro.... os homens nunca estarão na realidade, ou seja, lidarão com o Outro como genuinamente diferente, se não discernirem o efeito do seu complexo materno debatendo-se dentro deles.” (HOLLIS, 1991, p 148)
“ O homem contemporâneo necessita buscar ressignificar  seu papel, curar sua alma ferida e renascer amoroso.  O caminho da cura parece ser ainda desconhecido, passa pela perda do medo ás mulheres/feminino, pelo resgate de um masculino androginado, sensível, é  necessário “endurecer sem perder a ternura”, permitir o encontro com a mulher, como parceira e cúmplice, como igual, enfim perder o medo do Amor. Descobrir e confiar, que como diz Boechat: “a mulher tem espírito sim, liderança e criatividade. É verdade que para ganhar novos espaços ela necessita da cooperação do novo homem. Ele coopera e ao mesmo tempo é transformado pela nova mulher.” ( BOECHAT, 2009,p 54)
            Hollis sugere sete passos em direção à cura do masculino, a seguir:
Relembre a perda dos pais.
Conte os segredos.
Procure mentores e sirva de mentor a terceiros.
Corra o risco de amar os homens.
Cure-se a si mesmo.
Retome a jornada da alma.
Participe da revolução
                        (HOLLIS, 1991, p 154).
         “Os homens precisam ficar zangados com os ferimentos e também com quem os feriu para que alcancem um dia a cura.... A raiva, `a semelhança de  qualquer emoção profunda, não vai embora. Sempre encaminha-se para algum lugar. O filho ferido ferirá seu filho, se não puder se purificar e romper o ciclo....o filho precisa enfrentar essa raiva dentro de si próprio para não permanecer prisioneiro de Saturno. É imperativo que os homens expressem mais conscientemente o que está dentro deles....Considerando a profunda observação de Jung, segundo a qual o maior fardo que a criança precisa carregar é a vida não vivida dos pais, cada filho precisa examinar, em que lugar as feridas do pai foram passadas para ele. Ou ele se encontra repetindo os padrões do pai ou vive em permanente reação a eles...Qual foi a vida não vivida do meu pai, e que eu a estou , de alguma maneira, vivendo por ele ?” (HOLLIS,1991, p159/159).
                       “Uma das consequências da ausência de ritos de passagem é os homens duvidarem da sua masculinidade. Sentem que, por mais que tenham conseguido se proteger, alguém conseguirá romper o cerco para humilhá-los ou até destruí-los... Essa definição multiforme, em eterna transformação, da masculinidade obriga os homens a atuarem no nível da persona, definindo sua realidade basicamente em função de parâmetros coletivos como salário, o carro, a casa, o nível social. A frágil psique do homem foi embrutecida e tornada trivial.  Historicamente, tem sido condicionado a procriar e proteger a família, e a ser definido em função da sua produtividade. Tudo isso diz muito pouco, ou nada, da sua alma, da sua personalidade, da sua individualidade.  Nesse mundo, os homens tem sina trágica: não alcançam a tranquilidade, raramente atuam a partir de uma convicção interior e muito poucas vezes saem do jogo mortal. Ainda quando ganham, perdem a alma.” (HOLLIS, 1991, p 103)
CONCLUSÃO
            O homem atual, por não contar com ritos de passagem estabelecidos, figuras masculinas  capazes de inicia-lo, é chamado a realizar sua “jornada do herói” interiormente e completamente só. Terá que identificar os padrões paterno e materno, que imita exatamente igual ou  exatamente ao contrário, condutas que o mantém na imaturidade infantil e na dependência emocional do menino pela mãe(complexo materno), a fim de poder livrar-se deles e , ao pacificar-se com sua mãe, poder sair dela e pacificar-se com o feminino, perder o medo das mulheres, poder amá-las e honrá-las, tornando-se homem. Esse movimento se inicia também em seu interior, descobrindo e integrando sua anima. O amor começa dentro de nós e por nós. “Amai ao próximo como a si mesmo” do aforismo cristão, já nos alerta que o amor não é o que o outro nos dá, mas o amor que desenvolvemos em nós, possibilitando descobrir ao outro e amá-lo. Indubitavelmente curar sua alma ferida é o desafio, que se impõe ao homem hoje. Perdoar a força sufocante de sua mãe e a ausência e/ou a fraqueza de seu pai, despedir-se deles, para trilhar seu próprio caminho, parece se impor como nosso rito de iniciação. Os que conseguirem, precisarão revelar a boa nova, aos outros homens, conduzi-los, tornando-se os iniciadores do novo homem, não mais pela força, mas pela compaixão e pelo amor.
“A saída para o impasse da tirania dos arquétipos masculinos, é pela integração da anima. O homem que se relaciona de modo cada vez mais consciente com sua feminilidade inconsciente, que se manifestará como criatividade, imaginação e sensibilidade, é o homem do futuro, que poderá questionar os padrões neuróticos de repetição e devoramento.” (BOECHAT, 2009, p 59).
            No século XXI, na  Era de Aquário, o novo homem se descortina, se delineia e caminha para seu reencontro. Terminamos com esse relato sobre Jung:
            “ Jung admitiu que , durante anos, guardara para si esse “conhecimento secreto ”e que só em Aion acabou por torna-lo público. Jung não tinha certeza se estava  “ autorizado  a fazê-lo, mas durante a enfermidade recebe a “ confirmação “ que sim. A Era de Aquário “ exporia o problema da união dos opostos “. A “verdadeira existência “ do mal teria de ser reconhecida; não poderia mais ser compreendida como a simples ausência do bem, como era a atitude oficial cristã. Isso não aconteceria por intermédio da política ou de qualquer  esforço coletivo, mas  por intermédio do “ ser humano individual, por meio de sua experiência do espírito vivo “, isto é, do inconsciente. Dando um exemplo de como os arquétipos trabalham sobre a consciência coletiva, Jung menciona o então recente decreto papal tornando a Assunção de Maria, mãe de Cristo, parte do dogma cristão. O decreto era de enorme importância para Jung; mostrava que o cristianismo reconhecia a necessidade de incluir o feminino na divindade, algo que faltara e que enfraquecera seu apelo. A ideia de que Maria  não morreu, mas que foi levada, de corpo e alma, para o céu, tinha sido aceita há quase  um século, mas só passou a fazer parte da revelação divina pelo decreto do papa PIO XII, EM 1950. As massas o exigiram e a insistência delas, escreve Jung, foi “o impacto do arquétipo para perceber a si próprio.”
(LACHMAN, 2012, p 205).
  Nosso deus, enfim integrara sua anima, que possamos nós seguir o seu exemplo.
AMÉM.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLY, Robert; João de Ferro, um livro sobre homens, Editora Campus, Rio de Janeiro, RJ, 1991.
BOECHAT, Walter;  A Mitopoese da Psique, mito e individuação, Editora Vozes, Petropolis, RJ, 2008.
HOLLIS, JAMES; Sob a Sombra de Saturno, a ferida e a cura do homem, Editora Paulos, São Paulo, SP, 1997.
LACHMAN, GARY: Jung, o místico, as dimensões esotéricas da vida e dos ensinamentos de C.G. Jung, Editora Cultrix, São Paulo, SP, 2012.

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