domingo, 4 de novembro de 2018

A ansiedade na raiz da evolução




Um dos temas recorrentes em sessões terapêuticas é o da ansiedade, uma sensação ou um sentimento que decorre de uma excessiva excitação do Sistema Nervoso Central provocada pela suspeita de que há algum tipo de perigo em uma determinada situação. Ou seja, a ansiedade não surge comumente de uma situação concreta de perigo, mas de uma percepção subjetiva que antecede o fato em si.

Um antigo provérbio chinês diz que você não pode evitar que os pássaros da preocupação e cuidado voem por sobre sua cabeça, mas você pode impedir que eles façam seus ninhos em seus cabelos.

Excesso de preocupação é, como diz a palavra, uma ocupação prévia, antecipando o resultado de algum evento que ainda não aconteceu e que pode nem acontecer de fato. Mas, ao me preocupar, antecipo o resultado e já experiencio aquilo que temo. O que leva à compreensão de que na raiz da ansiedade há algum tipo de medo.

Como todas as emoções, o medo se manifesta a partir de um conjunto de sensações físicas que nosso cérebro interpreta e nomeia. Nosso corpo é um sensor que capta o meio ambiente externo e interno, envia a mensagem para o cérebro, que nomeia, cataloga, analisa e arquiva experiências que são impressas na arquitetura neural, configurando um arquivo de padrões que utilizamos para compreender o mundo e nos movimentar nele. Isto é, tudo começa com nossa percepção do mundo resultante de nossas experiências de vida.

Medo é uma emoção que surge sempre quando estamos na fronteira da nossa zona de conforto, a esfera do conhecido e familiar, e nos defrontamos com algo que está fora desta área. Ou seja, é algo desconhecido ou que não domino. Portanto, sempre que me expando para além do que é familiar, quando amplio meu espaço de atuação no mundo, o medo surge como um amigo que me alerta para este fato, aconselhando-me a prestar atenção e ir com cuidado e com vagar. Como aquelas luzes vermelhas piscando para chamar nossa atenção.

Mas tanto a ansiedade quanto o medo não são outra coisa a não ser nossa energia em ação, apesar de estarem atuando em sentido oposto. Enquanto a ansiedade é um sinal de expansão, uma ampliação da minha zona de conforto para limites mais amplos, o medo me alerta a respeito deste movimento. Se permito que o medo predomine, minha expansão fica restringida. Mas quando reconheço o sinal de alerta que ele me dá e fico atenta à expansão que está para acontecer, então posso lidar com ela de forma mais consciente e habilidosa, produzindo e alcançando os resultados desejados.

Como o grande motivador do ego humano, o medo ajudou a humanidade a sobreviver até se tornar a espécie de maior sucesso neste planeta. Foi por medo que a humanidade evoluiu e criou tudo que nos cerca hoje. Sem o medo talvez estivéssemos ainda vivendo nas cavernas ou já estaríamos extintos. E até os dias de hoje todas as advertências, conselhos e mídias nos alimentam diariamente com medo, ou seja, nos estimulam a continuar a sobreviver.

Mas como seria se, para além de sobreviver, aprendêssemos a viver? O que seria necessário para usufruirmos e partilharmos as coisas boas da vida? Certamente o medo não tem como nos ensinar isto. Precisaríamos ser capazes de nos mover para o amor, não o amor romântico, tão decantado em verso e prosa, mas o amor simplesmente, aquela força que mantém o universo coeso, que tem o poder de nos atrair uns aos outros, de nos conectar conosco e com todos os demais seres do universo. 

Em seu texto sobre como transformar a ansiedade, Doc Childre e Debora Rozman do Heartmath Institute (www.heartmath.org.com) afirmam que o modo de interromper este ciclo é introduzir novos padrões dinâmicos e reforçá-los até eles se tornarem familiares, assim estabelecendo um novo padrão de referência, em que predominam emoções e atitudes mais saudáveis*. 

Isto é importante para nos movermos para o estágio em consciência que denominamos de independência, significando essencialmente que me reconheço sendo quem sou e expresso isto no meu viver. A base para este movimento é a resposta para a clássica pergunta “Quem sou eu?”. E esta resposta só pode vir do mais profundo de cada um de nós, demandando que liberemos tudo que não somos e tudo que acumulamos a fim de sobreviver ao longo do processo de viver e crescer.  Significa nos movimentarmos de um ganho negativo (quando ganho porque me livro de algo que não quero) para um ganho positivo (ganho porque acrescento algo que quero à minha vida).

Expandir é nosso movimento evolutivo e para que isto ocorra precisamos de uma dose apropriada de estresse que nos impulsiona. Mas quando o estresse é excessivo, pode dificultar a ação reguladora do nosso Sistema Nervoso Autônomo, causando desequilíbrio entre atividade (adrenalina) e relaxamento (endorfina).

Enquanto a ansiedade mantém o corpo inundado com hormônios do estresse que drenam energia, resultando em baixa energia crônica ou fadiga e nos tornando irritáveis e impacientes, quando o ritmo cardíaco é coerente, ambas as ramificações do Sistema Nervoso Autônomo, Simpático e Parassimpático, funcionam sincronicamente para a criação de um padrão emocional sustentável, produzindo um ritmo cardíaco coerente que harmoniza e sincroniza coração e mente, promovendo um estado alerta e responsivo de bem-estar.

Por esta razão, é importante trabalharmos para criar uma estrutura emocional caracterizada por padrões de percepção, emoção e atitudes mais saudáveis, até que um novo padrão de referência cerebral se estabeleça, porque o cérebro associa coerência com sentimentos de bem-estar, segurança e tranquilidade, resultando em uma experiência emocional positiva da vida.






*Doc Childe e Debora Rozman, Transforming Anxiety, p.7

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